Relacionamento a Três

 

Entende-se por relacionamento a três o seguinte: você, o bar e o garçom que lhe atende. É difícil, porque nem sempre os três lados convivem em harmonia. E quando um lado complica sua vida, você ainda tem outro para gerenciar.

Nesse contexto metafórico-realista, o bar faz o papel do homem. Está sempre lá, incólume, imutável. O tempo passa e o desgraçado não muda. Só de vez em quando aparece algo diferente: música ao vivo, promoção, "double beer" às terças, "double" de caldinho de feijão às quartas. Em geral, é sempre o mesmo, no lugar de sempre, com as mazelas de sempre.

Com todo respeito que me cabe à categoria (e desde já esclarecendo que sou hétero), o garçom é a mulher da metáfora, quer dizer, da história. O garçom é a mulher porque não existe coisa pior do que garçom cri-cri ou garçom estrela, aquele que se considera um ator de Hollywood só porque todo mundo o conhece.

Não raramente, o prazer de tomar uma cerveja depende do humor do garçom. Se ele estiver de ânimos alterados, prepare-se para um atendimento de péssima qualidade, para beber cerveja quente e para nunca conseguir ficar bêbado por causa da demora de chegar outra garrafa.

Por fim, você é o urso. Trocador de óleo profissional. Só entra quando há oportunidade, às vezes a pedidos. Claro, não fica restrito a apenas uma localidade etílica. Você pode frequentar quantos bares quiser, sem compromissos e sem neuras. Dá até para manter uma fidelidade consistente: por exemplo, toda segunda-feira é dia do bar do Zé Mineiro, toda terça naquele boteco boca de porco lá no outro bairro, toda quarta no boteco Mosca Frita... E por aí vai.

A VIDA É ASSIM

Todo relacionamento a três é complexo. O segredo é você não se deixar levar pela emoção. Às vezes ficamos chateados com o dono do bar, mas aí o garçom vem e lhe faz um agrado: descola aquelas últimas Originais que estavam escondidas lá no canto do freezer, que você tanto pediu quando chegou e disseram que não tinha mais.

Não podemos nos deixar levar pela emoção e deixar de freqüentar o bar por causa do dono. E podem anotar: não confie em um dono de bar que não pratica esportes etílicos. Os melhores botecos são aqueles cujo dono é um atleta nato. Só um “auterocopista” para entender outros.

Ao mesmo tempo, já perdi a conta de quantas vezes deixei de ir a ótimos bares por causa do garçom. E de tantas outras vezes que perdi contato com excelentes garçons porque o dono não respeitava clientes um pouco mais insuportáveis do que o normal. Enfim, como disse, é um relacionamento complexo.

Certos bares têm aquela história de: “senhor, o bar vai fechar, vai querer mais alguma coisa?”. É claro que vou querer mais alguma coisa. Em alguns bares, a ladainha é dizer que a cozinha está fechando. E o que é que eu tenho a ver com isso? Eu não vim aqui pra comer, vim pra beber. Só que na hora de trazer a segunda garrafa após o fechamento da cozinha, já trazem a conta junto. Nessas horas não aparece ninguém para defender os Direitos Humanos ou os direitos do consumidor - etílico.

Como é que vou querer mais alguma coisa se já estão me dando a conta e me expulsando do bar? Em diversas ocasiões, só voltei para bares assim por causa do bom atendimento do garçom e, não raro, até por camaradagem entre nós – sem nenhum contexto homossexual, claro.

Tem bar que é o cúmulo do desrespeito: só vende cerveja longneck, que são mais caras e bem menores. Longneck é cerveja para quem não gosta de compartilhar o líquido precioso com os companheiros. Longneck não tem ritual, não tem adoração, não tem companheirismo. É coisa de americano.

Eu raramente volto em bar que só vende longneck. Questão de ideologia. Eu também tenho princípios, sejam eles quais forem.

CRISE DE CIÚMES

Garçom ciumento é o cúmulo do realismo etílico. São aqueles caras que fazem questão de sempre lhe atender, pois sabem que você trata bem, fala com eles de igual para igual, sempre deixa uma gorjeta no final e, às vezes, até puxa uma cadeira para conversar sobre as desgraças da vida.

Esses garçons não gostam quando outro garçom chega perto – nem para limpar a mesa. Você vira propriedade. Qualquer semelhança com mulheres ciumentas talvez não seja coincidência.

Bar é um lugar sagrado, porém, garçons não fazem milagres; mas ajudam bastante. São profissionais. Os bons garçons sabem diferenciar o tratamento solidário do racional, quando necessário.

Ao chegar para beber sozinho, os garçons verdadeiramente profissionais conseguem reconhecer quando você não quer muito papo e está lá para afogar as mágoas, pensar na vida ou, simplesmente, para relaxar um pouco antes de voltar para casa.

Quando você chega acompanhado, o bom garçom identifica o “status” da companhia. Ele pode separar uma mesa mais reservada, no canto da parede, longe dos olhares curiosos; ou pode colocar vocês dois bem no meio do bar, naquele barulho, cheio de gente ao redor — para que fique bem claro que você não tem nada com aquela baranga!

 

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