Como Acabar Um Relacionamento

 

 

Existem centenas de livros sobre sexo, manuais da conquista, dicas para arrumar namorado (a) e até magias e produtos que garantem deixar qualquer uma apaixonada por você. Nessas horas, todo mundo é Dom Juan e diva da MPB. Arrumar namorada é fácil; esposa, mais fácil ainda. Difícil é pular fora, jogar a toalha branca, acabar o relacionamento sem aquele peso na consciência, sem o peculiar sentimento de culpa e a estranha sensação de fazer o papel de mentecapto da história.

Adiamos o anúncio fúnebre durante meses, às vezes por anos. Adiamos tanto que até “esquecemos” de acabar, para ver se a outra pessoa cria juízo e resolve a situação. Tem gente que acaba com uma facilidade tremenda. Outros, manteigas derretidas, não conseguem sequer inventar uma viagem para pensar um pouco.

Não dá mais para dizer “vou ali comprar cigarro” e sumir do mapa. Tem e-mail, rastreamento por satélite, e-CPF, rastreador eletrônico, identificador de chamadas e até consulta ao Imposto de Renda pela Internet. E os amigos da onça, claro, que sempre fazem questão de dizer para a dita cuja como você está bem… e bem acompanhado, eventualmente.

Com o intuito de facilitar a sua vida, o idiota que vos fala preparou mais uma iniciativa de inutilidade pública. Um breve guia de como tirar o seu da reta e fazer com que a outra pessoa acabe o relacionamento. Livrando você de todo o peso na consciência e, quem sabe, até lhe transformando em vítima.

O segredo maior é nunca ser o responsável pelo decreto final. Você pode até propor o fim do relacionamento, mas nunca fique com a última palavra. Para chegar a este objetivo supremo, a receita é simples. Puxe-a para conversar e dê uma rápida aula de história, bem fundamentada cientificamente.

A aula de hoje é sobre monogamia. Explique assim: sobre o atraso que a monogamia representa para a sociedade pós-pós-moderna. A monogamia está se convertendo em uma falácia na qual as pessoas fingem que acreditam, somente por tradição. Vejamos as provas concretas.

 

METALINGUAGEM RELACIONAL

Em uma análise metafísica, o prefixo ‘mono’ sempre representa o atraso.

Na aresta musical, antigamente a gente escutava tudo em mono-Ural. Ou seja, o som saía por apenas um canal, geralmente abafado. A tecnologia chegou e inventaram o estéreo, dois canais a proporcionar um som mais puro e refinado. Hoje, dois canais é motivo de piada. Os aparelhos vêm com múltiplas saídas de áudio e as placas de som, no computador, trabalham com mais de 100 canais. Sistemas de home-theater, sonhos de consumo, usam sistemas 5.1 – cinco saídas principais e uma reserva no centro – ou até 7.1. Quem quer voltar ao mono? Jogue fora aquelas caixinhas fajutas.

Na informática, antes não existia monitor colorido. Parece que foi ontem, mas há dez anos a gente digitava textos em monitor preto-e-branco, cujo nome técnico é monocromático (radiação com um só comprimento de onda). Os monitores coloridos, caríssimos, eram policromáticos – vários comprimentos de ondas, resultando em várias cores. Usavam-se telas monocromáticas porque era o jeito, não havia alternativa. Quando o policromático tornou-se comum, barato e padrão, tornou-se um dos grandes saltos da computação contemporânea.

Na economia, há décadas que as monoculturas não atendem mais as necessidades do mundo globalizado. Durante séculos, os países gerenciavam extensas porções de terra dedicadas às monoculturas, situação a qual um único produto é cultivado. Como o café ou o açúcar, no Brasil. Os visionários entenderam que, com a abertura dos mercados globais, manter a cultura de produto único seria suicídio. Quem aderiu à policultura se deu bem e tem rios de dinheiro até hoje, repassando para filhos, netos, bisnetos, tataranetos.

Na engenharia elétrica, as ligações monofásicas são tidas como atrasadas. Residências razoavelmente recentes usam ligações trifásicas, pois levam energia de forma otimizada e ainda reduzem o consumo ao final do mês. Evidente que a maioria das residências usam ligações monofásicas. Gastam mais e vivem com problemas de quedas.

Na aviação, ninguém tem coragem de voar em aeronaves monomotoras. O motivo é simples. Quando uma turbina falha, o monomotor não tem reserva. Pifou, caiu, só dá tempo de fazer o sinal da cruz e dizer uma frase curta, como por exemplo: “Fodeu...” ou “Puta que me pariu...”. O mínimo de segurança você encontra em aviões com ao menos duas turbinas, bimotores. Sempre há a reserva de emergência, quando a outra turbina falhar – ou passar 40 dias com dor de cabeça.

Lembro-me das inúmeras vezes que reclamaram comigo por ser ‘monossilábico’. Inúmeras. Então, o jeito é ser polissilábico. Você aguentaria sair com uma pessoa monotemática? São aquelas que só sabem conversar sobre um único tema. É claro que não. Pessoas interessantes são pessoas politemáticas e polivalentes, porque ser monovalente (ter apenas uma valência) não está com nada. Uma pessoa que só tem uma única qualidade presta?

Na psicologia, existe um bagulho chamado monofobia. Trata-se de horror mórbido à solidão, uma espécie de pré-depressão profunda. Bom, ninguém quer sofrer e entrar em depressão, então é melhor fugir da monofobia. Estamos cansados de ver gente casada e infeliz.

Nos estudos de lingüística, os monoglotas são recusados. As pessoas admiram os poliglotas, aqueles que falam mais de um idioma. E apenas dois idiomas não está com nada, porque até cachorro late em inglês. Precisa saber, pelo menos, dois idiomas e um terceiro de reserva, para quebra-galho.

No convívio social, ninguém gosta de ficar falando sozinho, quer dizer, de praticar monólogos. Monólogos são terríveis. E você já ouviu o termo monoplégico? Que nada, a gente só escuta tetraplégico. No capitalismo, o monopólio é nocivo às economias. Até o oligopólio não é bem visto. O ideal é a chamada concorrência perfeita ou concorrência saudável, sem monopolização dos mercados.

 

EXTREMA-UNÇÃO RELACIONAL

Caso você tenha o infortúnio de namorar ou estar casado com uma pessoa religiosa-praticante, não se desespere. Estou aqui para ajudar (ou não).

É que os religiosos não aceitam o monofisismo, aquela doutrina na qual existe uma única natureza para Jesus Cristo, vulgo JotaCê. O monofisismo prega que JotaCê era apenas homem, não tinha nada de sobrenatural, de deus ou espírito santo. O catolicismo não leva o monofisismo em consideração e coloca JotaCê como integrante de uma tríplice aliança. Precisa de mais argumentos?

Se precisar, vamos a eles.

Caso a cidadã seja atéia ou cética extremada, você pode citar o monoteísmo – a crença em um único deus. Veja o exemplo dos japoneses. São xintoístas desde sempre e fazem parte de uma elite econômica e tecnológica. Xintoísmo é a crença em vários deuses – do ar, da terra, do fogo etc. É uma religião anterior ao budismo. Bastou a conversão monoteísta ganhar fôlego nas décadas de 70 e 80 para a economia japonesa quebrar, na década de 90 (1997) e levar todo mundo junto.

Você ainda pode questionar: e se a gente acredita em apenas um deus, onde entram os orixás? E o que vamos fazer com todo aquele blá blá blá de Sérgio Buarque de Hollanda, Paulo Freire, Marilena Chauí e outros intelectuais defensores da identidade brasileira? Até o ex-ministro da Cultura cantava para os orixás. E aquela oferta para Iemanjá, fica para o santo?

A aula poderia seguir adiante, mas de acordo com os estudos de quem vos fala, a essas alturas o seu relacionamento já estará acabado, digo, solucionado.

 

Atenção ao epílogo. Se a criatura for leitora deste digníssimo blog (o que já seria um milagre), ela poderá responder: “Querido, enquanto você fazia cursinho para esta aula, eu estava terminando minha tese de mestrado”.

Cumprimos nosso objetivo: você ficou sozinho e ainda saiu como vítima.

 

Ou Acabo Com Meu Ego Ou Ele Acaba comigo

 

 

     Descobri a origem de todos os meus problemas e desmazelos. O responsável por tudo o que estou passando. O grande culpado, o vilão de toda a história: o ego. Filho da puta! É tudo culpa dele. Juro, eu sou inocente. Não tenho responsabilidade nenhuma nestes sentimentos inconfessáveis que tomam conta de mim. É o ego que me faz assim. Ele me controla, me domina, faz o que quer comigo. Déspota. Ditador. Insensível. Se eu pudesse, mandaria matá-lo, tamanha é minha aversão por este traste imprestável. Meu ego não merece viver. Que ódio que eu tenho dele. Ódio e nojo!

     E o pior que não é só o meu que é assim. Todos são. O seu também é. O ego, como os homens, são todos iguais. Canalhas, não prestam, não são confiáveis. Jamais deixe um ego casar com sua filha. Nunca compre um carro usado de um ego. Se emprestar dinheiro pra ele, pode esquecer que jamais receberá um tostão de volta. Sem contar que ego não pede licença, não pede “por favor” e não diz “obrigado”. É mal educado que só a porra. Ego é feio, apesar de se achar o mais lindo do mundo. Ego é estúpido, não tem papas na língua, fala o que pensa e não respeita os mais velhos. Tem boca suja, fala muito palavrão e adora envenenar todo mundo pelas costas. É fofoqueiro e ladrão de galinhas. Ego é o fim da picada. O ego é vil, mal patrão e tem chulé. É pretensioso, trapaceiro e sonega imposto. É metido a machão, mas dizem que no carnaval sai vestido de Carmen Miranda. O ego é um salafrário, boca-mole, barraqueiro e impertinente. Aquele calhorda, cretino, imbecil! Tenho repulsa dele!

    E não é só isso. O ego é um sujeito completamente fora de controle. Ele é metido, é preconceituoso, é mau. Ele quer que todo mundo se exploda e que só sobre ele no mundo. O ego é xenófobo, de extrema-direita e provavelmente contrário à união estável entre pessoas do mesmo sexo e principalmente ao estudo das células-tronco. O ego não aprova o protocolo de Kyoto e é contra o aborto, a não ser quando ele for a parte interessada. O ego não está nem aí com os problemas do outros, com a desgraça alheia. O ego não deu um tostão para as vítimas do tsunami na Ásia nem jamais doa sangue. O ego é muito egoísta. Não gosta de pobre e nunca dá esmola.

     Mas tem mais: o ego não dá passagem no trânsito, nunca dá a preferência para pedestres e sempre que pode para em cima da faixa. Se deixar, passa em cima das velhinhas que atravessam sem olhar. O ego dirige sem cinto, falando no celular no dia do seu rodízio. O ego não respeita os limites de velocidade, estaciona em local proibido, anda na contramão e se vier um marronzinho encher o saco ele ainda saca um revólver e manda chumbo quente no coitado.

     O ego é ateu quando convém e ortodoxo quando lhe interessa. O ego come, vira pro lado e dorme, não abaixa a tampa da privada depois de fazer xixi, jamais lava a louça nem tira os pratos da mesa. O ego palita os dentes com a boca aberta, coça o saco na frente de todo mundo e cospe no chão. O ego nunca compra flores nem dá joias. Só está interessado em sexo e não faz a menor questão de esconder. Ego não usa camisinha e jamais assume a paternidade de um filho, mesmo que o exame de DNA prove sua participação. Aliás, ego detesta criança. Se puder, afoga todas. O ego não vale um tostão furado.

     Não sei mais o que fazer com este infeliz. Ele acabou com a minha vida e ainda quer mais. Estou esgotado, vencido, desconsolado. Eu preciso dar um fim neste reinado de terror ou não terei mais muitos dias pela frente. Eu preciso acabar com meu ego. Preciso dar um basta! Preciso extirpar este mal pela raiz. Acabar com a raça deste maldito. E eu tenho certeza de que vou conseguir isso. Certeza absoluta! Afinal sou inteligente, engraçado, bonito, charmoso, gostoso, enfim, eu sou foda!

Duas Cabeças Pensam Pior Do Que Uma

 

 

O homem é este ser confuso e perturbado por falta de
um comando intelectual central

 

     O maior problema do homem é a falta de foco. Pensa com duas cabeças, como você está careca (sic) de saber. Mas diferente do que professa o ditado popular, seu desempenho é bastante comprometido por conta disto. Duas cabeças, neste caso específico, tiram qualquer possibilidade de coerência e equilíbrio. Diferente da mulher, que pensa apenas com a bolsa, por isso é mais resolvida, objetiva e prática. O homem não. Duas cabeças controlam este ser primitivo, ordinário e atavicamente equivocado. Ou seria melhor dizer que descontrolam? É, porque cada uma segue uma direção diferente e toma o comando conforme a situação assim o exija. E saiba que jamais na história da humanidade algum homem chegou perto de conseguiu unir suas duas cabeças para o seu próprio bem. A pobre alma masculina fica sendo um mero joguete nas mãos destas duas entidades notadamente maquiavélicas. Um mero títere, incapaz de manter um comportamento minimamente digno e aceitável.

     Mas não sejamos maniqueístas. O que mais surpreende nesta história, porém, é que o homem pensa com duas cabeças, mas nenhuma delas é confiável. Trapaceiras de primeira ordem, frequentemente deixam seu hospedeiro em maus lençóis. Até porque uma delas só pensa mesmo em deixá-lo em algum tipo de lençol. São como partidos políticos de oposição que nunca fazem qualquer tipo de aliança. Só lhes interessa o poder absoluto. E quando de fato assumem o poder e empreendem alguma lambança deslavada ou praticam algum ato execrável, mais do que depressa passam a bola para o adversário afim de que ele possa levar a culpa e arcar com as consequências. E o mais curioso disso tudo é que toda essa luta sanguinolenta serve para que? Para controlar o corpo de um merdinha qualquer. São cabeças realmente sem nenhum critério.

     Veja agora um exemplo de como as cabeças masculinas prejudicam e denigrem a já combalida imagem do macho contemporâneo. A cabeça principal, aquela onde se encontra o cérebro do homem, chamaremos de cabeça número um. E a cabeça que fica sobre os ombros, chamaremos de cabeça número dois. Imagine, então, um homem ambicioso e bem preparado. Sua situação financeira, entretanto, não enxerga sua ambição nem de binóculo. Mas, por conta de um lance de astúcia e inteligência, está prestes a fechar o maior negócio de sua vida, que vai mudar os rumos de sua existência transformando-o num homem rico, poderoso e de grande prestígio. A cabeça número dois está com tudo. Dando todas as cartas. Cada passo deste homem indestrutível é milimetricamente medido por ela. Já a cabeça número um afoga-se no ostracismo, sem representatividade, desprestigiada, estagnada e encolhida num canto qualquer, até porque anda fazendo um frio dos diabos. Mas, não se iluda. Como a dengue, a cabeça número um é um mal que se desenvolve em águas paradas.

     O homem está prestes a assinar o tal contrato. Entra no prédio confiante e inquebrantável. Tudo parece encaminhar-se para um final feliz para o varão até que ele encontra uma mulher como outra qualquer no elevador. “Como outra qualquer” para a cabeça número dois, porque para a cabeça número um é um verdadeiro monumento erigido em homenagem à testosterona. Bastou o sensível e delicado nariz masculino sentir aquele perfume que deve ter sua fórmula baseada em essências utilizadas em antigos rituais de acasalamento, para que a cabeça número um despertasse de sua longa hibernação. A cabeça número dois, ingênua, bobinha, continua devaneando. Enquanto isso, a cabeça número um já começa a botar suas manguinhas de fora. Começa com as manguinhas. Depois o negócio fica bem mais sério.

     Além do nariz, a cabeça número um, sorrateiramente, começa a controlar também os olhos do sujeito. A partir daí ele não consegue mais desviá-los das insofismáveis cavidades daquele colo espetacular. A cabeça número dois é muito sonsa mesmo. Continua fazendo contas, planejando passos e contabilizando resultados futuros. Para ela, aqueles seios protuberantes não passam de representações dos altos e baixos de um gráfico de faturamento. Mas os ouvidos desse bicho de duas cabeças passam a captar apenas o som da doce respiração produzido pelos motores daquele avião de duas pernas. E que pernas. Duas colunas romanas, esculpidas à perfeição, abrigando o portão de um majestoso e acolhedor castelo encantado. Portão que a cabeça número um fará questão de romper, triunfante.

     A cabeça número dois continua pensando na banda cambial enquanto a cabeça número um só pensa naquela bunda sensacional. Os olhos do ex-competente passam a produzir um brilho diferente. Não são mais cifrões que refletem em sua íris, mas claves de sol, prenunciando melodias orgiásticas. Subitamente a cabeça número dois, em meio à um business plan muito bem concatenado, toma uma rasteira desleal e sofre um golpe de estado. A cabeça número um agora tem controle total do indivíduo. Sendo assim, decide investir pesado no marketing de relacionamento. Ele parte para cima de sua consumidora em potencial. Confiante e de cabeça erguida, logo a convence de ir para um motel onde ele poderá finalmente por em prática todo seu talento estratégico. É claro que, por não aparecer à reunião, o vassalo das cabeças irresponsáveis perde aquele grande negócio e a chance de mudar de vida. Isso não seria nenhum problema se depois de gozar a cabeça número um não fizesse questão de devolver o pepino para a cabeça número dois resolver. O cara olha para o lado e não entende porque trocou milhões de dólares por uma garota tão vulgar, que não passa de nota cinco em qualquer critério de avaliação. Mas bastam uns quinze, vinte minutos para ele começar a entender tudo de novo. E de cinco, a moça passa para sete, sete e meio.

     Existe, porém, um terceiro núcleo de poder na vida do macho moderno: a cabeça número três, esta sim poderosíssima, intangível, atroz, desumana. Tanto que, quando aparece, passa a governar com plenos poderes todos os atos do homem, anulando completamente suas cabeças originais de fábrica. Estas atrofiam e começam a servir apenas de enfeites vagabundos, penduricalhos barulhentos, adereços cafonas, símbolos falidos de um tempo de glórias que já não voltam mais. A cabeça número três geralmente inicia seu reinado com uma grande festa, quando veste véu branco e grinaldas e derrama lágrimas que ainda não se sabe se são de felicidade ou simplesmente de alívio. Além disso, entre outras violências, o homem é tocaiado na saída e alvejado covardemente por uma enxurrada de arroz cru. A partir desta data festiva, portanto, ele se transforma em um mísero corpo célere sem vontade própria. O que, sejamos honestos, faz um bem danado para ele.

 

Eu não sei onde estava com as cabeças quando escrevi este texto.

Homo Shoppiens

 

O futuro do ser humano será viver em Shopping Centers

  

  Quem diz que o futuro da civilização será determinado pela Internet não conhece São Paulo. Aqui as coisas não funcionam como no resto do mundo. Vejo claramente em uma de minhas bolas de cristal – tenho duas – que o futuro da nossa cidade será o Shopping Center, uma espécie de útero arquitetônico: um lugar confortável, seguro, com clima agradável, onde o paulista encontra tudo o que precisa para se manter vivo. Lá todo mundo finge que ele é a pessoa mais importante do mundo e ele acredita. De fato, ninguém incorporou tanto o espírito de Shopping Center quanto o morador de São Paulo.

   Com a escalada da violência e o crescente descaso das autoridades, os shoppings começarão a crescer vertiginosamente até se tornarem verdadeiras cidades. As pessoas passarão a viver dentro dos shoppings. Autênticas sociedades de consumo. Haverá ruas, avenidas, praças, parques, plantações, criação de animais, indústrias, escolas, escritórios, estádios de futebol, até praia. Voltaremos aos moldes da idade média, onde cada castelo protegia a população de sua região e tinha seu sistema político-administrativo totalmente independente. Os shoppings paulistas serão, portanto, as novas cidades-estados do consumo.

   Não será seguro sair desses baluartes do comércio. O lado de fora será terra de ninguém, sem segurança, sem lei, sem ordem e, principalmente, sem lugar para estacionar.

   Os atuais administradores de shoppings tomarão o poder como governadores ou imperadores e o clube dos lojistas será uma espécie de senado. As únicas leis que valerão serão as leis de mercado. Mas como o paulista também é brasileiro, algumas delas não vão pegar. Para manter a ordem, os seguranças tomarão a função de polícia. Imprensa? Só para divulgar as promoções do dia.

   Como você sabe, não se pode fumar em shopping, portanto o cigarro será proibido nessa nova sociedade. É claro que surgirão rebeldes que pegarão em armas para defender o direito de se matar lentamente, criando uma seita religiosa radical que pregará o direito a fumar até dentro de berçários: serão os filhos da Nicotina, os seguidores do Alcatrão.

   Não haverá mais esta profusão de documentos que as pessoas portam hoje. O que identificará o habitante dessas fortalezas do consumo desenfreado serão os cartões de crédito. A certidão de nascimento será substituída por aquela carteirinha que se tira para participar das promoções. Todos os deveres cívicos serão estimulados por promoções: pague os impostos e concorra a uma BMW. Não tome multas de trânsito e concorra a uma passagem para o Shopping Iguatemi. E quem for pego seguidas vezes pedindo desconto será banido desta cidadela das boas compras.

   Tudo será comprável ou vendável: produtos, serviços, diplomas, carteira de motorista, votos, dignidade, etc. Bem, alguma coisa teria de continuar igual aos dias de hoje. E para os homens que estavam preocupados com certos estabelecimentos, não se preocupem. Sim, vai haver prostíbulos nestes novos templos sagrados do SPC:

   – Meu bem, quanto foi?

   – Cento e cinquenta reais.

   – Aqui está. E me dá uma notinha para eu poder participar da promoção? Ah, e não esquece o carimbo do estacionamento, por favor.

É Muito Chato Ser Chato

 

Estou transtornado. Acabado. Destruído. De repente me dei conta de que sou chato. Um mala. Sem alças e sem rodinhas. E, a menos que eu esteja enganado, esse é um dos piores defeitos que pode atingir um ser humano. Acho até que é pior ser chato que ser desonesto, que ser mentiroso, que ser serial killer. Meu Deus, neste momento o que eu mais queria era ser um serial killer. É condenável, mas ninguém fica apontando para você na rua e rindo debochadamente. Ninguém fica fazendo piadinha nas suas costas e ironizando seu comportamento. Até porque se fizer isso pode ser o próximo da lista de assassinatos. De qualquer maneira a minha situação é patética. Calamitosa. Não existe remédio, não há cura para a chatice. Não existe ex-chato. Você nasce para aquilo. Cada um nasce para alguma coisa e o chato nasce para encher a paciência dos outros e vai assim até o fim da vida. Eu sei por que todos os chatos que eu conheço são chatos desde que os conheço. E parece que o tempo vai passando e vai ficando pior. Mais e mais chato. Quando você acha que o cara não poderia ser mais chato ele inventa uma chatice nova que te surpreende. E te enche o saco, claro. Aliás, o chato é sempre um sujeito muito criativo. Está sempre inventando alguma coisa para atormentar os outros. E, via de regra, atinge plenamente este objetivo.

   Só para conferir: este texto está chato? Está incomodando? Poderia ser diferente, mais divertido, mais leve? Qualquer coisa, me avise, tá? Eu não quero ser inconveniente, aborrecido, inoportuno, monótono, enfadonho, maçante, incômodo, desagradável, cansativo, tedioso, pentelho. Aliás, não tem coisa mais chata do que chato que não quer ser chato. Chato arrependido. Chato politicamente correto. O famoso falso chato.

   Hoje, subitamente, me dei conta do porquê de ter uma vida assim, solitária, do porquê de não ter tido uma carreira profissional compensadora e vitoriosa. Eureka! Era isso o tempo todo e não sabia. Chatice é que nem mau hálito. Afasta as pessoas, mas ninguém tem coragem de alertar o sujeito. Até porque, provavelmente se o fizer, ele não vai gostar. Vai se sentir ofendido e injustiçado. E, claro, vai ficar enchendo o seu saco pro resto da vida. Eu sempre achei que minha diferença com o mercado era porque eu sempre fui considerado um cara “difícil”. Puta merda, difícil é uma maravilha. Acontece que esse “difícil” estava só na minha cabeça. Os caras sempre falaram que eu era chato mesmo.

   Tem certeza de que não estou sendo chato? Pode falar, eu já não tenho mais nada a perder. Fica a vontade, hein!

   Até meus amigos me acham chato, o que lhes confere um grau de paciência e desapego extraordinários. São pessoas especiais, que abrem mão de seu conforto para trocar alguns momentos de sua vida com um cara que é chato. Não é má pessoa, mas é chato demais. E isso é um problema muito sério. Aliás, a dor de se descobrir chato é profunda e pungente. Mas você não pode procurar ninguém para desabafar, já que vai encher o saco da pobre alma que lhe oferecer o ombro. E os amigos já não aguentam mais. É melhor não forçar a barra.

   Outra condição que acentua a minha chatice é o meu perfil independente. Mais chato que um chato normal é um chato metido a independente. Não está nem aí com os outros, não tenta se enturmar e não pede favores. Mas, de alguma forma, mesmo assim, consegue ser chato. É um talento nato. A chatice está no DNA. Uma vez eu li um dicionário eufemístico que dizia que chato é um indivíduo cuja presença provoca ausência. Achei que era um parecer divertidíssimo sobre um assunto distante. Mas hoje eu sei que sou este indivíduo. E, de repente, não acho mais a menor graça nesta frase.

   Mais chato que um chato chato é um chato que não quer ser chato. E fica mais chato ainda. Mas no meu caso é diferente. Olha, gente, não me levem a mal, eu posso explicar. Eu não quero ficar aqui me defendendo ou justificando demais o fato de ser chato, mas vocês precisam acreditar que eu não quero ser chato. Sou assim por algum problema psicológico que foge à minha compreensão e que, portanto, escapa à minha capacidade de resolvê-lo. Juro que eu não quero ser chato. Não é minha intenção. Eu mesmo detesto gente chata, quero distância e sempre que posso, meto o pau neste bando de malas sem alça que não sabem se comportar em público. Mas eu sou diferente. Eu sou legal. Eu acho que eu posso mudar. Eu acredito que existe vida após a chatice. É tudo uma questão de treino, de prática. O problema é que o chato nunca sabe quando está sendo chato. Não existe um alarme que toca quando a chatice começa. Não tem um aparelhinho que dê um choque conforme o cara vai enchendo os outros. Conforme o grau de chatice aumente ou diminua a intensidade do choque. Mas eu acho que não seria capaz de usar uma geringonça destas. Teria medo de morrer eletrocutado na primeira esquina. E ainda fazer uma piada antes de dar o suspiro final. Porque também tem essa: a grande maioria dos chatos é metida a fazer graça de tudo. Não pode acontecer nada que ele já tem uma piadinha na ponta da língua, cara chato. Chatonildo. Chato de galochas. Vai ser chato assim na puta que o pariu.

   Só mais uma coisinha: esse trauma está acabando comigo. O mala comum, vocacional, não sabe que é mala. Pelo contrário, se acha um sujeito 100%. Os outros é que são chatos. E a pior coisa que pode acontecer com o chato é tomar consciência de sua chatice. Eu descobri que vivia num mundo de ilusões, de mentirinha. Uma verdadeira Chatrix. Eu achava que era um cara legal e que o fato de ninguém nunca me convidar para nada era apenas porque eu me faço de difícil ou pela minha falta constante de grana. Mas, lamentavelmente, isso me bastava e eu era feliz assim. Agora que sei toda a verdade, não vejo caminhos, não tenho alternativas. Estou num beco sem saída. Sou chato e não há o que fazer. Sou um penta-positivo em avançado estágio de aborrecimento. Sou chato e estou com medo até de sair de casa. Tenho medo de ser chato com os meus vizinhos e com o chapeiro da padaria. Tenho medo de ser chato com o garçom do barzinho. Tenho medo de ser chato com qualquer pessoa que cruze o meu caminho. E agora? Se você tem uma solução para me dar, me mande um e-mail. Quem sabe você tem uma resposta? Eu não quero ser chato! Eu não quero ser chato! Prefiro a morte! Chato suicida também é dose, né? Que saco! Por favor, me ajude, me ajude. Mas só se não for encher muito o seu saco.

Manual Prático: Como Conquistar Uma Mulher

 

Todo ano as pessoas se olham no espelho e dizem para si mesmas: eu vou mudar. O contexto psicológico e desesperador na frase “eu vou mudar” é clamoroso o suficiente para fazer com que não queiramos entrar no mérito reflexivo da questão. Não posso falar em nome das mulheres, porém, no caso dos homens o “eu vou mudar” quase sempre significa o seguinte: este ano eu vou me dar bem com as mulheres, melhor que no ano passado. Como o dobro de zero é zero, a situação permanece estagnantemente nula.

Porém, 2012 não é um ano qualquer. É o ano em que, segundo o Calendário Maia, o mundo vai pro mingau – eu sei, você não aguenta mais essa ladainha de fim do mundo. Nem eu, mas vou fazer o quê? Preciso agradar as esotéricas que, por sinal, têm um fogo…

Anos atrás, a fim de ajudar as almas masculinas em súplica, a revista IstoÉ publicou o resultado de uma pesquisa de opinião sobre o que as mulheres mais gostam nos homens. Eis as características que elas mais apreciam nos seres humanos de duas cabeças, de acordo com as mesmas:

Romântico e carinhoso – 15,7 %
Sinceridade – 15,4 %
Papo interessante – 14,2 %
Bom nível cultural – 13,8 %
Sensualidade – 6,9 %
Boa situação financeira – 6,1 %
Desejar compromisso sério – 5,8 %
Beleza – 4,6 %

De posse desse resultado, cheguei à brilhante conclusão de que novos tempos requerem novas táticas de conquista. Após infinitas horas de filosofia zen-budista, finalizei este manual voltado ao conquistador pós-moderno que irá mudar a sua vida. No caso dos homens, fará com que as leis da matemática sejam aposentadas, a partir do momento em que se consiga
provar que o dobro de zero não é mais zero. No caso das mulheres, ajudará a identificar quando nós estamos querendo apenas fazer aquilo (no primeiro encontro) que vocês também querem, mas têm vergonha de admitir.

O objetivo deste manual é ajudar homens e mulheres de forma prática. Ajudar os homens de modo que aumentem a eficácia na hora de ganhar o (... escreva o substantivo aqui...) das mulheres. E ajudar as mulheres, para que elas percebam mais facilmente quando nós estamos querendo apenas o (... escreva o substantivo aqui...) de vocês.

 

Romântico & Carinhoso:

Na minha época, chamar um cara de carinhoso era o mesmo que chamá-lo de homossexual. Aliás, tal palavra politicamente correta também não existia. Era viado, boiola, baitola, frango, boneca, quinta-feira, dorme-em-caixa, queima-rosca e doador de bunda. Novos tempos requerem novos adjetivos.

As mulheres agora querem homens românticos e carinhosos. Se você quer ser romântico e carinhoso, é preciso seguir um exemplo notório e eficiente de um verdadeiro romântico de sucesso. Quem? Ele mesmo, o WANDO.

Wando é um zero à esquerda como cantor, mas um sucesso com as mulheres. O cidadão tem uma coleção de calcinhas que faz inveja até ao Júlio Iglesias. No show dele, só vai mulher: feias, bonitas, loiras, morenas, gordas, magras, altas, baixas… enfim, a diversidade que todo homem sonha.

Já pensou, se cada vez que você abrisse a boca para falar, as mulheres lhe jogassem a calcinha? Seria o paraíso. Não é difícil ouvir o depoimento de uma mulher que diz ter um orgasmo apenas em ouvir a voz do Wando.

A solução: passe na loja de CD’s mais próxima e compre todos os discos do Wando. Quando for levar a sua nova presa para jantar (sem trocadilhos), não hesite: coloque para tocar a coletânea do cantor e espere a reação dela.

De acordo com os estudos de campo realizados por este que vos fala, a cidadã ficará tão emocionada, mas tão emocionada, que não conseguirá pronunciar uma palavra sequer. Ficará muda, estagnada, bestificada. Tapada, eu diria. Novamente, não hesite em expor o seu romantismo. Olhe para ela e diga: “pode tirar a calcinha”.

 

Sinceridade:

Antigamente, um homem podia ser tudo com uma mulher, menos sincero. Inclusive, no dia que se quisesse iniciar uma briga ou até mesmo terminar um relacionamento, bastava ser sincero. Às vezes, a sinceridade masculina resultava até em bala, facada, água fervente, dedada no olho (de cima), tesourada, capada… enfim.

Sabe aquelas calças super-hiper-ultra-mega-apertadas que as mulheres adoram usar e fica aparecendo a marca da calcinha? Pois é, se a gente diz quão ridícula elas estão, seríamos taxados de retrógrados ou dinossauros. Afinal, a moda dita regras e homem parece não entender nada de moda. De acordo com as mulheres, a moda é usar essas calças ridículas.

O segredo agora é ser mesmo sincero, já que elas adoram. Use uma expressão sem artifícios, de forma autêntica e objetiva. Da próxima vez que vocês forem à praia e ela colocar aquele biquíni minúsculo, deixando à mostra toda aquela flacidez exponencial e aquela barriga mole, seja direto e diga a verdade.

Diga que ela está parecendo o Faustão em versão feminina, o cão chupando manga, um tribufú plantando bananeira. Procure outros adjetivos sinceros no dicionário. Sugira um maiô, duas horas de ginástica por dia e um regime forçado em caráter de urgência. Enfatize a palavra “urgência”.

A reação feminina será ótima, pois ela haverá de perceber que nossa sinceridade é para o bem, já que nós queremos apenas o melhor para a saúde e o bem-estar delas. Ponto para você, o homem sincero e adorado. Elas adoram sinceridade.

 

Papo Interessante:

Seja sincero (você já aprendeu como fazer isso) e admita: o xaveco é a chave da conquista. Faça um upgrade na sua vida e aprenda a conversar. Aquela história de que “cão que ladra não morde” é a maior besteira. Pense bem: se você é uma pessoa de poucas palavras, um rabugento inveterado e um taciturno de mão cheia — mais ou menos como este que vos fala — a única saída é aprender a contar lorotas. Um verdadeiro Forrest Gump.

Consequentemente, procure saber qual é a área de atuação profissional de sua vítima. Não pense em conversar sobre informática com uma analista de sistemas, por exemplo. Não vá falar sobre a imparcialidade da imprensa para uma jornalista; não fale sobre ciência para uma bióloga; de política para uma funcionária pública; e assim por diante. A razão é simples. Conversar sobre um assunto do interesse dela é fracasso certo, pois ela sempre saberá mais do que você e, assim sendo, você fará papel de analfabeto, de ignorante, de ogro. Enfim, um verdadeiro Zé Ruela.

Misture as bolas — não as suas bolas, claro — mas sim as bolas temáticas. Ele é analista de sistemas? Decore todas as siglas partidárias e comece a falar sobre os conflitos no Senegal ou no Oriente Médio. Ela é funcionária pública? Pegue aquele livro de Física do ginásio, que você nunca leu, e desminta todas as teorias de Newton, Pascal e outros gênios que minha memória não permite recapitular agora, pois cabulei essa aula na época. Comentar também sobre a extinção das baleias e dos golfinhos é uma excelente dica. Invista no papo “nada a ver”.

Para fazer com que ela ache que você é mesmo um gênio e um tem um papo superinteressante, comente que você se encontra entretido em uma teoria, formulada e estudada por você mesmo, para provar matematicamente que o dobro de zero não é zero. E explique. Caso não dê certo, converse sobre um tema que mulheres pós-modernas adoram dizer que adoram: cerveja e futebol. É tiro e queda.

 

Bom Nível Cultural:

Cultura não se aprende por osmose, mas sim por leitura — já dizia minha antiga professora de Literatura. Pare de ler revistas inúteis como Superinteressante, Cult, Bravo e boletins especializados. Cancele todas e comece a assinar revistas que realmente fazem a diferença: Caras, IstoÉ Gente, Contigo, Amiga, Quem, VIP Exame, Trip etc. Não apenas leia as revistas. Decore-as.

Você notará como a conversa entre você e sua vítima irá fluir de forma desconcertante. Ela entrará em êxtase ao perceber que você consegue entender mais de novelas do que ela e está em dia com todas, inclusive as mexicanas. Mais adiante, não hesite em convidá-la para assistir uma novela interativa porno-erótica, porém cultural, que passa na TV do seu apartamento.

É possível que ela indague o seguinte: “mas essa novela não passa em nenhuma TV, nem aberta, nem a cabo, pois eu conheço todos os canais”.

De forma romântica — você também já aprendeu como fazer isso — responda: “passa sim, é porque você ainda não conhece o MEU cabo”. Ela ficará embevecida com o seu romantismo e a sua sinceridade. Afinal, elas adoram isso.

 

Sensualidade:

Atire a primeira pedra quem não concordar: para conquistar uma mulher, você precisa ser carinhoso, ter bom nível cultural, papo interessante, ser atencioso, prudente, inteligente, um gentleman na rua e um viking na cama; além de outros 278 adjetivos a mais. Contudo, para conquistar um homem, a mulher só precisa tirar a roupa. Assim, simples. Mais fácil do que fazer quadrigêmeos.

Observe os tipos de homens que as mulheres apreciam (Robert Pattinson, Brad Pitt e outros frutinhas do cinema e televisão) e preste bem atenção na roupa que eles usam. Imite-os! Com a banalização de Pitts Pattinsons, o modelo de homem sensual foi imposto pela mídia como o tipo “saradão malhado”.

Logo, se você quiser usar aquelas camisas coladas, de mangas também coladas, bem ridículas, além daquelas calças justas, colantes, usadas por cantores como Zezé di Camargo & Luciano, o jeito é perder sua vida social, pedir demissão do emprego e se matricular em uma academia de ginástica. Malhe 8 horas de dia, faça apenas uma refeição, durma 8 horas diárias e
malhe mais 8 horas. E não se esqueça de tomar bomba, os chamados esteroides anabolizantes. Após um ano, não se preocupe se você estiver impotente e não puder mais traçar ninguém. Pelo menos estará sensual e haverá atingido sua meta.

 

Boa Situação Financeira:

Sem dúvida, a parte mais difícil. A situação financeira não depende apenas de você, mas sim de uma série de vertentes nas quais você possui pouco, às vezes nenhum, controle. Existe apenas uma saída: imite o governo. Peça dinheiro emprestado e, na hora de pagar, role a dívida por trinta, quarenta anos.

Pegue uma roupa de grife emprestada do colega, pegue o carrão do seu pai ou de outro colega. Na hora de levá-la para jantar, recorra a qualquer amigo do amigo do vizinho do primo da colega do tio da sobrinha de um conhecido seu que seja dono de restaurante.

Explique sua deprimente situação para o dono e, com certeza, ele consegue um jantar gratuito para você. Ele certamente também já passou por situação parecida. Por fim, na hora do motel, seja retórico. Diga que você não gosta de motel, pois gera um clima pouco íntimo, um tanto promíscuo, e que ela merece mais, merece tudo do bom e do melhor.

Diga que na sua cidade não existe motel suficientemente decente para ela desfrutar do seu mais intenso amor. Mostre seu lado pseudo-sensível e vá para o apartamento emprestado de um colega. Diga que é seu - obviamente. Ela irá se sentir o máximo em conhecer seu ambiente de “trabalho”.

Nota da redação — não se esqueça do mais importante, isto é, dizer que ela é a primeira e única mulher a conhecer o local. De acordo com estudos daquele que vos fala, caso ela já tenha percebido que você é um homem sincero, com toda certeza ela irá acreditar piamente na afirmação.

 

Desejar Compromisso Sério:

Por motivos de filosofia de vida, não garanto a eficácia dos conselhos relacionados a este tópico.

Caso você note que o fator “compromisso sério” seja marcante na opinião de sua vítima, faça exatamente o que as mulheres fazem conosco quando querem nos assustar. Logo após o primeiro beijo, pergunte: “como será o nome do nosso filho?”.

Na eventualidade de ela realmente pensar em compromisso sério, você não vai precisar fazer nenhum esforço, pois o êxtase será geral.

O único esforço, depois, será tirar uma nova identidade e trocar o número do telefone da sua casa, do seu celular e, em último caso, pedir asilo político na Zâmbia. A depender da situação, um colete à prova de balas também será de grande utilidade. Afinal de contas, as maníaco-depressivas estão cada vez mais presentes na sociedade.

 

Beleza:

Finalmente, o último fator apreciado pelas mulheres. Como vocês devem ter percebido, as mulheres prestam atenção em tudo e, só por último, na beleza. E é claro que a gente acredita.

Bem, se beleza é a última coisa que as mulheres reparam nos homens, então por que se preocupar tanto? Deixe de fazer a barba todos os dias. Aliás, fazer barba para quê? Sabe aquele xampu caríssimo contra queda de cabelos? Poupe seu miserável salário. Academia de ginástica? Esqueça. As mulheres não se importam com aquela “barriguinha pro” que você levou anos e muitas caixas de cerveja para conquistar e muito menos com aqueles “pneusinhos” dignos de uma Scania.

Por outro lado, se mesmo assim você acha que beleza não põe mesa – mas abre o apetite – e não tem dinheiro para pagar uma série de cirurgias plásticas no consultório de Ivo Pitanguy, o único conselho que este manual pode lhe dar é o seguinte: conforme-se e bem-vindo ao clube.

E, para descontar sua ira natural, faça ainda melhor: escreva páginas e mais páginas de besteiras descartáveis, chame de crônica e publique no seu blog. Avise seus amigos e conhecidos. Eles irão ficar putos da vida. Objetivo alcançado. Não precisa agradecer.

Não Identificado

 

A poesia é um objeto
                           não indetificado…

Girassol ao redor do céu
ou giracéu ao redor do sol
e só de vez em quando cede
                           à decifração

Dos antifogos dos logos,
mas logo se reacende e gira
                           ao contrário

No imã do imaginário.



(Poema dedicado à minha amiga Kari)

Cinema Transcendental

 

Não tenha medo da morte
que é só um corte cine
                          mato
                          gráfico
para outra dimensão…

Se você tiver sorte,
existe a tal da reencarnação!

E eis você remodelado,
sendo você mesmo por dentro,
só mudando a encadernação.

Arquitetura de Amar

 

ou Fruto da Imaginação (De Um Coração Que Deseja)

 

 

Durante todas as eras
a humanidade especula se há uma
ordem
por trás das voltas e revoltas
do universo
ou se é somente por artes do acaso,
e dos deuses da desordem,
que se tece a trama dos encontros.

Cada filósofo e religião
oferece sua cifra-chave
para a decodificação dessas metáforas
que conjugam (ou não) as palavras,
a necessidade e as coisas almejadas…

Pois eu, a cada vez que te contemplo (entre devaneios e imaginação),
percebo que há um poder e uma ordem
por trás da arquitetura do caos
e que os planetas giram simplesmente
para que, um dia, você apareça
no meu dia.

 

Insônia Ltda.

  

Quando você aprende a conviver em harmonia com a insônia, ela pode até se tornar uma aliada. Enquanto os outros dormem, abre-se um universo paralelo que inclui pessoas, lugares, cheiros, comidas e até animais que, a princípio, não existem para a sociedade do horário comercial.

Depois de anos por amaldiçoar frustrações passadas pela insônia, com o tempo de aprendizado noturno as pessoas começam a reclamar é quando o sono chega antes de o sol nascer. Pois é justamente nesse horário, no qual até os meliantes adormecem, que você consegue apreciar o azul de uma bebida, o sabor de uma conversa e a compaixão de um vira-lata.

Com o tempo, você identifica aqueles lugares cujas portas não fecham antes do primeiro raio de sol. Ali, você vai encontrar sempre os mesmos garçons puxando uma soneca enquanto não aparece um cliente. Ao entrar, eles se recompõem, ajeitam a gravata na gola e se aproximam rapidamente. Não para trazer o cardápio, não para perguntar qual é a bebida. Porque tudo isso eles já sabem decorado.

Aproximam-se para reclamar. Afinal, já faz tempo desde sua última visita. Eventualmente, pedem para você olhar um caderno com textos obscuros que o filho adolescente escreveu e ele não entende nada daquilo que foi escrito. E às vezes eles não falam nada, apenas trazem sua dose e seu bife, em silêncio, pois sabem que quando você chega com o bloco de anotações à mão é porque quer apenas escrever em cima da mesa, sem ninguém por perto e sem importunos.

Dissabores noturnos

O silêncio é o bem mais caro da madrugada.

É com o silêncio nas ruas que você ensurdece perdido em ideias e questionamentos nem sempre cartesianos. E é com o mesmo silêncio que você consegue escutar de forma tão voraz o som dos primeiros roncos de motores de ônibus, uma espécie de aviso prévio da manhã comercial que se aproxima.

E enquanto se volta para casa, você se torna um privilegiado ao poder experimentar o sabor de uma fruta fresquinha, às 5h da manhã, quando o vendedor ainda nem armou o carrinho para começar a vender logo mais. É um prêmio pelo seu companheirismo de estar ali, como quem diz: ‘você não está sozinho nesse mato-sem-cachorro’.

E por falar em cães, eles talvez não sejam tão amigos quanto o cachorro-engarrafado do Vinícius (de Moraes), mas certamente conseguem sentir o cheiro do sono quando chega. São os primeiros a aparecer, lentamente, desgovernados pela rua, quase como lhe protegendo de seres sobrenaturais cujas narinas caninas conseguem sentir de longe, enquanto se caminha pela rua deserta. Se você voltar ao mesmo local durante o dia e procurar aquele vira-lata, ele não vai estar. Talvez, assim como nós, ele seja insone e apareça apenas durante a madrugada, sem hora marcada, mas nunca na hora errada.

Durante a semana, você aproveita para aprender com as histórias de vida de gente que sabe muito mais de vida do que você. Os porteiros largam e vão tomar um leite pingado com uma fatia de pão e margarina. Os garçons sabem de tudo o que acontece na cidade, você não precisa mais nem comprar jornal. Os taxistas dão as melhores dicas de bares discretos para você levar a amante. Dicas muito bem aproveitadas pelos seus amigos casados, aliás, são quem precisam.

No final de semana, contudo, é a sua hora de repassar conhecimento adiante. É quando aqueles guris saem das boates e baladas, fazendo barulho e cantando alto, como se fossem os donos da rua e tivessem o direito de acordar os felizes homens e mulheres que adormecem, juntos um ao outro.

E você, que nem fuma essas coisas caretas, precisa tirar um Marlboro do bolso da camisa xadrez, acender, tragar vagarosamente enquanto caminha de encontro a eles, fitando-os. E os mais perspicazes baixam o tom de voz, ou mesmo se calam, como se estivessem finalmente aprendendo que na vida real o silêncio sempre fala mais alto. Desde que você aprenda a ouvir.

Cheiros de madrugada

Você chega à praia e não consegue entender como a maresia e o cheiro de areia molhada são tão diferentes de madrugada. É apenas neste horário que você pode se deitar na areia de roupa e deixar a onda bater, sem parecer doido. E consegue ouvir quase todas as frequências sonoras de cada onda que se quebra. Não faço mais isso há muitos anos, mas me lembro das sensações.

Ao ir embora e ver os vendedores dormindo naquelas grutas no subsolo das barracas de coco, entende que seu ideal de desapego material ainda está longe de se concretizar, mas que agora não é mais hora para se pensar nisso, mas de voltar para casa – pois ao dobrar a esquina, já é possível ver o primeiro clarão de sol, não mais alaranjado e denso como outrora, mas agora esparso e amarelo claro. É o aviso final que o dia já chegou.

Pálpebras pesadas, você chega em casa procurando as mesmas respostas que sua insônia sempre lhe negou. Uma batalha que se dá por vencida, há muito, restando somente o refúgio do seu sofá, entre camisas, papéis espalhados e lembranças.

O cansaço e o peso do horário decerto não lhe deixam sonhar, mas logo mais à noite ela volta a fazer-lhe a mesma pergunta enquanto você tenta esquecê-la. Porque é a mão dela lhe puxando para a rua como quem partiu e não devia. Ou talvez seja apenas a mão pesada da insônia. Não faz diferença, porque ninguém nunca disse que era hora de partir. E mesmo assim; assim ela se foi.

Relacionamento a Três

 

Entende-se por relacionamento a três o seguinte: você, o bar e o garçom que lhe atende. É difícil, porque nem sempre os três lados convivem em harmonia. E quando um lado complica sua vida, você ainda tem outro para gerenciar.

Nesse contexto metafórico-realista, o bar faz o papel do homem. Está sempre lá, incólume, imutável. O tempo passa e o desgraçado não muda. Só de vez em quando aparece algo diferente: música ao vivo, promoção, "double beer" às terças, "double" de caldinho de feijão às quartas. Em geral, é sempre o mesmo, no lugar de sempre, com as mazelas de sempre.

Com todo respeito que me cabe à categoria (e desde já esclarecendo que sou hétero), o garçom é a mulher da metáfora, quer dizer, da história. O garçom é a mulher porque não existe coisa pior do que garçom cri-cri ou garçom estrela, aquele que se considera um ator de Hollywood só porque todo mundo o conhece.

Não raramente, o prazer de tomar uma cerveja depende do humor do garçom. Se ele estiver de ânimos alterados, prepare-se para um atendimento de péssima qualidade, para beber cerveja quente e para nunca conseguir ficar bêbado por causa da demora de chegar outra garrafa.

Por fim, você é o urso. Trocador de óleo profissional. Só entra quando há oportunidade, às vezes a pedidos. Claro, não fica restrito a apenas uma localidade etílica. Você pode frequentar quantos bares quiser, sem compromissos e sem neuras. Dá até para manter uma fidelidade consistente: por exemplo, toda segunda-feira é dia do bar do Zé Mineiro, toda terça naquele boteco boca de porco lá no outro bairro, toda quarta no boteco Mosca Frita... E por aí vai.

A VIDA É ASSIM

Todo relacionamento a três é complexo. O segredo é você não se deixar levar pela emoção. Às vezes ficamos chateados com o dono do bar, mas aí o garçom vem e lhe faz um agrado: descola aquelas últimas Originais que estavam escondidas lá no canto do freezer, que você tanto pediu quando chegou e disseram que não tinha mais.

Não podemos nos deixar levar pela emoção e deixar de freqüentar o bar por causa do dono. E podem anotar: não confie em um dono de bar que não pratica esportes etílicos. Os melhores botecos são aqueles cujo dono é um atleta nato. Só um “auterocopista” para entender outros.

Ao mesmo tempo, já perdi a conta de quantas vezes deixei de ir a ótimos bares por causa do garçom. E de tantas outras vezes que perdi contato com excelentes garçons porque o dono não respeitava clientes um pouco mais insuportáveis do que o normal. Enfim, como disse, é um relacionamento complexo.

Certos bares têm aquela história de: “senhor, o bar vai fechar, vai querer mais alguma coisa?”. É claro que vou querer mais alguma coisa. Em alguns bares, a ladainha é dizer que a cozinha está fechando. E o que é que eu tenho a ver com isso? Eu não vim aqui pra comer, vim pra beber. Só que na hora de trazer a segunda garrafa após o fechamento da cozinha, já trazem a conta junto. Nessas horas não aparece ninguém para defender os Direitos Humanos ou os direitos do consumidor - etílico.

Como é que vou querer mais alguma coisa se já estão me dando a conta e me expulsando do bar? Em diversas ocasiões, só voltei para bares assim por causa do bom atendimento do garçom e, não raro, até por camaradagem entre nós – sem nenhum contexto homossexual, claro.

Tem bar que é o cúmulo do desrespeito: só vende cerveja longneck, que são mais caras e bem menores. Longneck é cerveja para quem não gosta de compartilhar o líquido precioso com os companheiros. Longneck não tem ritual, não tem adoração, não tem companheirismo. É coisa de americano.

Eu raramente volto em bar que só vende longneck. Questão de ideologia. Eu também tenho princípios, sejam eles quais forem.

CRISE DE CIÚMES

Garçom ciumento é o cúmulo do realismo etílico. São aqueles caras que fazem questão de sempre lhe atender, pois sabem que você trata bem, fala com eles de igual para igual, sempre deixa uma gorjeta no final e, às vezes, até puxa uma cadeira para conversar sobre as desgraças da vida.

Esses garçons não gostam quando outro garçom chega perto – nem para limpar a mesa. Você vira propriedade. Qualquer semelhança com mulheres ciumentas talvez não seja coincidência.

Bar é um lugar sagrado, porém, garçons não fazem milagres; mas ajudam bastante. São profissionais. Os bons garçons sabem diferenciar o tratamento solidário do racional, quando necessário.

Ao chegar para beber sozinho, os garçons verdadeiramente profissionais conseguem reconhecer quando você não quer muito papo e está lá para afogar as mágoas, pensar na vida ou, simplesmente, para relaxar um pouco antes de voltar para casa.

Quando você chega acompanhado, o bom garçom identifica o “status” da companhia. Ele pode separar uma mesa mais reservada, no canto da parede, longe dos olhares curiosos; ou pode colocar vocês dois bem no meio do bar, naquele barulho, cheio de gente ao redor — para que fique bem claro que você não tem nada com aquela baranga!

 

Mulheres Que Amam Trogloditas

  

 

O ideal é depois de algumas cervejas, mas pode perguntar aos homens que você conhece, pois a maioria terá uma opinião semelhante: os caras que se dão bem com as mulheres mais maravilhosas são, em 90% dos casos, umas mulas. Alguns, oito vezes mais gordos e feios do que você. E umas vinte vezes mais ignorantes. Em uma visão rigorosamente particular, é claro.

Então significa que o controle de qualidade das mulheres perdeu o controle? Não necessariamente. O que acontece é que os Neandertais que se dão bem com as mulheres maravilhosas fazem algo que nós não fazemos ou só fazemos em pouquíssimas ocasiões ou nunca: eles pegam na mão.

Fazem pose de namoro sério para suas amigas e colegas de trabalho, ligam para vocês todos os dias, prestam contas. Afastam-se dos amigos, diminuem a freqüência de jornadas nos bares mais sujos da cidade. E se dão bem, mesmo quando todos os amigos – dele – sabem que são os maiores manes que a humanidade já se ouviu falar.

Tentar refletir sobre o que leva mulheres maravilhosas a escolher cidadãos desse naipe que adoram fazer pose é o mesmo que adivinhar a cor do cavalo “Branco” de Napoleão: depois que você descobre o trocadilho, nunca mais cai na piada. E vice-versa.

Até na mesa de bar, que é um lugar sagrado, os trogloditas passam a noite toda segurando na mão, com a coluna ereta e o peitoral estufado. Sem nunca se esquecer de guardar o celular e a carteira na bolsa dela. Elas acham o máximo. Como se aquele território fosse dele e tivesse sido conquistado à duras penas – quando, na verdade, é exatamente o oposto: eles é que são os escolhidos.

Afinal, quem hoje ainda tem dúvidas de que é a mulher que “escolhe”? É muito simples: mulher ainda tem certo controle de qualidade, mas para alguns homens… umas coxinhas grossinhas já são o suficiente. Existem dúzias de teorias sobre o assunto. Algumas, inclusive, defendidas pelas próprias mulheres maravilhosas quando indagadas sobre a escolha tão desprezível de seres mais desprezíveis ainda.

Uma das teorias, e que não adianta dizer o contrário, é que a mulher zela mais pela segurança do que qualquer outra coisa – ou seja, não adianta se você é um bartender, se esforça pra ter um blog de crônicas, lê muito, escreve alguma coisa, se aventura no mundo dos códigos HTML e gosta muito de um bom Blues, mas sabe que a MPB também tem seu valor e é legal; tem que firmar compromisso, garantir aquela segurança sentimental, o telefonema quase que diário, a prestação de contas para onde você foi ontem à noite e o almoço com a família de vez em quando.

Em outras palavras, você precisa deixar seu lado urso (com trocadilhos) de lado para se transformar num cara desse tipo. Há teorias de que a mulher nem se importa de estar com um cara desses porque ele sabe dar valor a ela, vai querer bajular; enquanto que um cara bacana e descolado não vai saber, pois supostamente já tem muita mulher bonita correndo atrás dele. Ledo engano, porém, visto que geralmente acontece o oposto.

Há teorias de que o cidadão, sabendo que é bronco e que mulher nenhuma vai dar bola, trata logo de passar o dia elogiando e fazendo todos os gostos da eventual mulher maravilhosa que levantou asas para ele. E sempre vai ter uma maravilhosa disposta a isso. Sempre.

Evidentemente, também há aquela teoria da idade. Por mais maravilhosa e inteligente que uma mulher possa ser, o inconsciente
coletivo de se casar e se adequar aos padrões da sociedade e satisfazer a família, se intensifica. O medo generalizado (porém com certa razão) de chegar a uma idade que não mais permite a reprodução invade o consciente, inconsciente e subconsciente feminino.

Quando chegam na faixa dos 30 anos, a situação se torna crítica e periclitante. Muitas simplesmente surtam de vez. Resolvem não dar tempo ao tempo. E sempre haverá um mané à espreita. Sempre.

Se a situação já se torna crítica quando a mulher beira os 30 anos, a tensão piora astronomicamente quando ela atinge a idade de Cristo, 33. Aí, meu amigo, quem estiver por perto – e disposto a ser crucificado – é pego para ser Jesus. E quem não encarar esse evangelho, vira Pilatos. Claro que há exceções, mas as exceções eu deixo para a gramática.

As Mulheres Que Nós Amamos

 

 

Dedico esta crônica a todas as mulheres que não me quizeram e àquela que não me quer

 

As mulheres que nós amamos não são, necessariamente, as mulheres que nós estamos apaixonados ou para as quais dizemos “eu te amo” (e geralmente não é mesmo, pois nunca tivemos essa oportunidade). As mulheres que nós amamos não são as mulheres que nós amamos no sentido literal da palavra, mas sim num sentido muito mais amplo. Até parece complicado, mas não é.

As mulheres que nós amamos se enquadram naquele seleto grupo de mulheres superiores e maravilhosas que passam pelas nossas vidas (mas, raramente, como um eclipse solar). Deixam feridas que não cicatrizam nem envelhecem. Deixam marcas e lembranças que vão servir de epígrafe, até o fim de nossos dias, nas conversas de bar, no trabalho, com os amigos mais íntimos, etc.

Uma mulher maravilhosa não precisa ser linda e ter um corpo bonito. Na verdade, algumas mulheres maravilhosas fogem do padrão universal de beleza e nem por isso deixam de ser intensamente desejadas. É algo intrínseco a elas, consciente ou não. Talvez, herança genética. A diferença é o “jeitinho” delas.

Se você, homem bacana e versado, parar para pensar um pouco, vai conseguir recriar em sua mente todas as mulheres que nós amamos desde a época do ginásio. Sempre havia aquela especial, aquela que se destacava entre as demais mesmo não sendo a mais bonita. Na universidade e no trabalho não foi diferente, sempre há aquelas mais desejadas, idolatradas, cortejadas.

Elas nem são lindas, nem têm o corpo mais torneado. São apenas maravilhosas, simplesmente, do jeito delas. São as mulheres que nós amamos porque são únicas.

Elas fazem você acreditar que Deus realmente existe, mas também fazem você ter certeza que nem Deus as entende. Afinal, o que leva tantas dessas mulheres maravilhosas a muitas vezes se apaixonar por um troglodita ou um orangotango, em vez de um cara bacana e versado (e que tem um blog de crônicas toscas, é bartender e gosta de estudar web design) feito você.

As mulheres que nós amamos são indescritíveis. Algumas delas carregam aquele jeitinho de menina sapeca; algumas têm aquela voz rouca que deixa você de cabelos em pé; outras possuem uma voz suave e baixinha, que desafiam todo seu poder de contenção.

Outras têm aquele olhar maroto, meio tímida e meio selvagem; aquele sorriso sedutor, aquele andar diferente, aquela conversa cheia de gestos. Às vezes é o senso de humor, o espírito etílico, (muitas das vezes) a inteligência. Não há como provar cientificamente. Só quem entende o que são essas mulheres maravilhosas é quem as conhece, quem estuda ou trabalha junto a elas. Quem percebe essas mulheres, se não a gente?

Às vezes, essas mulheres maravilhosas nem gostam da fruta. Preferem maçã em vez de banana. Não importa. Nem por isso elas deixaram de serem nossas musas inspiradoras. E apenas reforçam nossa fé de que, um dia, iremos conseguir (re) convertê-las e mostrá-las que banana tem  mais potássio que maçã.

Por mais que você tente ignorá-las, por mais que você tente pensar em outra coisa, por mais que você tente esquecê-las ao chegar em casa, não adianta. Elas continuarão lá. Na mesa do bar, no fundo do copo de cerveja, no mesmo lado da calçada que andas naquele momento, às vezes, aí, sentada ao teu lado no ônibus ou metrô.

O único problema é que nem todas essas mulheres maravilhosas sabem quão maravilhosas elas são. E, infelizmente, com certa frequência, se deixam encantar por cidadãos broncos. Mesmo assim, elas continuam sendo as mulheres que nós amamos… mesmo quando não nos amam.

Neuróticamente, Sábado

 

É incrível como todo mundo quer se dar bem no sábado à noite. Coisa meio sobrenatural, meio mística. Não importa o lugar ou a pessoa. Tem gente que passa horas dançando na boate e não admite voltar para casa sem conseguir ao menos um beijo. Quando não consegue, é quase como ter perdido o final de semana inteiro. Um dia eu hei de abrir um motel. Só vai funcionar entre 21h do sábado e 10h do domingo. O nome do distinto estabelecimento será: ‘Saturday Night Fever’ – abrimos somente aos sábados, não insista. Toda a receita será investida na aquisição de micro-câmeras, estratégicamente alocadas atrás dos espelhos.

Neura Grupal

É difícil superar a neurose do sábado à noite. Você precisa de muita rabugice, aliada a anos e anos de mentalização (e alcoolização) para aprender a ignorar a histeria das pessoas de que ficar em casa sábado à noite é uma doença - crônica.

Deveria dar palestras: ‘como superar a noite do sábado’. Não é difícil. É só começar a beber antes do almoço e, de noite, você já cai na cama feito um saco de cimento e acorda no outro dia numa boa. Não precisam agradecer, a fórmula é grátis.

O problema é que às vezes a porca torce o rabo, a cobra fuma charuto e tudo dá zebra. Tem sábado que nem o excesso de rabugice com as sobras da cerveja do dia anterior surtem resultados. Quem surta é a gente.

O entrave do sábado à noite é perceber a falta de companheiros disponíveis para tomar uma mísera caixa de cerveja, sem a neura reincidente de estar ao lado de alguém do sexo oposto.

Os enamorados vão namorar; os esquematizados vão furunfar; os casados não podem sair; e 99% dos solteiros vão à caça. Boates, pubs, bares da moda… qualquer lugar de azaração. Não precisa ir longe para observar. Nunca se vê um lugar de azaração sem estar lotado. É um verdadeiro açougue.

Outra alternativa é sair para beber sozinho (default). No entanto, levando em consideração que o sábado em questão é o sábado em que você surtou e precisa de qualquer espantalho para azucrinar a paciência, beber sozinho deixa de ser uma opção.

Difícil escolher o pior: chegar no bar e se deparar com um bando de casais; ou perceber que os não-casais estão ali pelo mesmo motivo – que não é tomar uma simples caixa de cerveja, mas sim brincar de médico.

Do Japão, Só Sushi e Sakê

Você lembra que esta semana conseguiu colocar créditos no celular e, antes que acabem, é melhor colocar o aparelho em uso para algo mais útil do que escutar músicas.

Após algumas tentativas de convocar os caras, todas recusadas evidentemente, você apela para a velha agenda vermelha – a cor do sinal fechado – contendo os poucos telefones de ex-namoradas, ex-casos, ex-amizades coloridas e outras dores de cabeça.

Quem sabe alguma delas não tenha levado um choque de 10 mil volts nos últimos anos e resolva acreditar que você quer apenas tomar uma mísera caixa de cerveja e falar sobre amenidades inteligíveis.

Com a agenda em mãos, é hora de riscar aquelas as quais você sabe que irão gentilmente bater o telefone na sua cara. Como não sobrou nenhuma, o jeito é fazer algumas missões kamikaze.

Missão 1:

– Alô, Fulana? É o Vinícius!
– Quem???
– Vinnie! O Vinnie!
– Ah… Diz, Vinnie. Fala logo que estou apressada, minha amiga tá passando aqui pra gente ir procurar namorado. Namorado sério, sabe? N-A-M-O-R-A-D-O, coisa que você não sabe o que é.
– Não precisa procurar tanto, ele está de paletó xadrez e gravata borboleta te esperando na padaria da esquina.
– Tchau, Vinícius! Ah, e não esquece de fazer aquele favor que pedi a você faz é tempo!
– Qual?
– VAI SE FODER!!!

Missão 2:

– Oi, Beltrana. Aqui é o Vinnie. Cervejinha hoje?
– Claro! Estou indo com a Sicrana, a Amigana, duas irmãs e três primas para a boate, estão todas solteiras e eu falei super bem de você, vem com a gente!
– Odeio boate.
– Então vamos para aquele bar novo que abriu na frente da praia!
– Odeio bar novo.
– Pô, deixa de ser chato, quer ir para onde?
– Não sou chato, sou seletivo. Vamos para aquele boteco que…
– Não! Esses botecos que você leva a gente só tem velhos, barrigudos e homens feios!
– Não fale assim dos meus camaradas.
– Hoje é sábado, a gente quer se dar bem!
– Tem todos os dias para se dar bem, por que essa neura do sábado?
– Porque é quando todo mundo quer o mesmo!
– Vocês parecem adolescentes…
– E você parece um velho rabugento, sempre me irrita!
– Você que começou.
– !)$%!&&! @#!&$@!$& !!!!
– Vou nessa, antes que você morda o telefone.

Missão 3:

– Oi, Ambrosina, vais fazer o quê hoje…
– Viiiiiiiiiiii, que saudadessssss! Vamos para a boate com a gente, eu arrumo um monte de gatinhas para você agarrar!
– Desculpe, número errado.

Missão 4:

– Oi, Josefina. Daqui a pouco seu marido vai sair com a outra e você vai ficar mofando em casa. Vamos tomar uma cerveja?
– Sim, sim. Chego na sua casa de que horas, Vinnie?
– Tá surda? Eu disse ‘tomar uma cerveja’. Em algum boteco. A gente afoga as mágoas, xinga a sociedade e abre uma seita, para no outro dia não lembrar mais de nada. Que tal?
– Ah, Vinnie… não podemos afogar outras coisas também?
– A gente nunca pode sair para tomar uma cerveja, criatura?
– Pode, mas hoje é sábado!
– Acabaram de cortar a linha do telefone, tchau.

Missão 5:

– Oi, Penalva. Vamos tomar uma gelada?
– Posso não, estou namorando agora.
– Estou te chamando para beber, não para foder. Leva teu macho também.
– Claro que não!
– Não temos mais nada há muito tempo e hoje meu fígado quer exclusividade. É só uma cerveja, para o sábado não passar em branco.
– Eu não consigo tomar apenas uma cerveja com você.
– Para de frescura, mulher.
– Vou falar pra ele que estou com dor de cabeça e…
– Olha, para aguentar teus chiliques esse cara deve ser muito gente boa. Leva ele e conversamos os três, prometo não cadastrar o elemento na lista de crônicas.
– Depois vou querer que ele me deixe em casa e correr para a sua.
– tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu...

E é nesse momento que você desiste das missões kamikaze e percebe que não falta muito para o sábado acabar. Basta um pouco de paciência. Melhor ainda, sábado é o dia em que os nerds da rua de cima costumam jogar xadrez na praça. Eles adoram quando você vai. Afinal, ninguém do bairro consegue perder tanto e tão feio.

– Chegou o Vinnie!
– Quem é o pato que eu vou ensinar a jogar hoje?
– Vinnie, joga aqui com o Sicraninho, meu irmão caçula de 13 anos.

Horas depois, lá pela quinta partida (cinco derrotas), o celular toca:

– E aí, Vinnie? Vamos tomar uma gelada agora?
– Ué, cadê sua namorada?
– Acho que está na TPM, quis voltar para casa sem mais nem menos.
– Voltava com ela, oras.
– Ela queria ficar sozinha com a irmã assistindo “P.S. Eu Te Amo”. Em pleno sábado à noite, pode?
– E é claro que você acreditou…
– E a gente tem opção, ó sábio guru?
– Realmente, não. Mas e aquele teu esquema?
– Tá com o namorado dela. Hoje é sábado, esqueceu?
– Quase esquecia… mas eu me referia ao outro esquema, aquela que se parece uma Scania.
– Vai se foder, antes que eu me esqueça...Fala logo se vai beber ou não, porra!
– Tô chegando lá no boteco do Mineiro em 15 minutos, não demore !!!!!!

Xeque-mate.

 

 

 

S. Paulo, 22, a mesma sexta-feira ensolarada de Abril de 2011.

Brincadeiras Infantis (Quase) Mortais

 

Já me perguntava “o que diabos vou escrever no próximo texto” quando tive uma inspiração que não pôde ser ignorada.

Eu estava em casa, jogando “Onimusha 4 – Dawn of Dreams″, quando meu irmão mais novo, de  13 anos, entra no quarto e percebo que o moleque estava com manchas roxas na parte de trás do pescoço. Suspeitei de que o pequeno garoto era espancado diariamente pelos colegas por ser fã incondicional de High School Musical, entretanto, para sanar a minha angústia intelectual, perguntei a ele como havia ganhado aqueles pequenos hematomas do tamanho de bolas de beisebol:

- Ô, moleque, que porra foi essa?
- Ah, nada não. Foi na escola.
- Na escola? Você estava jogando paintball com bolas de aço lá?
- Não. Eu tava jogando “ripa”.

Nesse momento algumas das minhas lembranças da época de escola vieram à tona e comecei a relembrar das brincadeiras infantis que praticava. Brincadeiras que se continuassem existindo na maioria das escolas de hoje, pois duvido que existam, nos levariam a ver pelas ruas um número excessivo de menores de idade semi-aleijados. Falo das traquinagens de moleque que envolviam chutes, socos, voadoras, enfim, toda uma variedade de agressões físicas e violência gratuita entre amigos durante o recreio.

Inspirado pelo pequeno fã do musical afeminado, compartilharei com vocês as brincadeiras que eu participava quando garoto e que, até hoje, tento reunir provas de que eram atividades similares às praticadas no treinamento dos soldados do Exército Israelense.

 

RIPA

Não tenho ideia de como esse esporte medieval chegou ao conhecimento da minha turma do colégio, mas lembro exatamente como era.

Tudo se iniciava quando, depois que um amiguinho havia acabado de comer algum lanche da cantina (gentilmente apelidados de “Jesus Me Chama”), amassava-se sua latinha de refrigerante, já vazia, até adquirir o formato de algo parecido com uma “bola” e gritava:

– Ééééé… RIPAAAAAA!

E esse era o aviso que iria começar uma das brincadeiras mais sangrentas que garotos sem medo de traumatismos cranianos gostavam de praticar.
A premissa da brincadeira era bastante simples: definiam-se uns poucos lugares do pátio ou da quadra para servirem de “locais de salvamento” (como as traves da quadra, bancos, etc). Chegando nesses lugares você estava salvo. Mas salvo de quê? Já conto. Definidos tais lugares, qualquer objeto que pudesse ser chutado era escolhido para servir de bola (qualquer coisa mesmo: uma latinha de refrigerante amassada, ou uma tampinha de garrafa, ou até uma lancheira de algum garoto distraído). Tendo então a “bola” , locais para se salvar e uma manada de moleques sem medo da morte, o jogo consistia em chutar a bola com toda a violência que suas pernas franzinas poderiam exercer e esperar que essa bolinha atingisse efetivamente o alvo. Tirando as pernas, se a bola topasse na região do tronco, cabeça, olho, mamilo, genitálias, de qualquer moleque, todos os outros tinham o direito de descer a mão no garoto-alvo até que ele tocasse num dos locais de salvamento. E era isso.

Quando alguém se tornava o alvo, a cena vista na quadra era a de dezenas de moleques correndo atrás de apenas um infeliz — que recebia socos nas costas ao mesmo tempo que lutava pela vida. Quando o alvo tocava no local de salvamento e desse modo deixava de ser um saco de pancadas móvel, as atenções voltavam-se novamente para a latinha amassada e outra bateria de chutes, misturados com golpes de Krav Maga, se iniciava.

Quem via de fora podia até achar que era um esporte coletivo (geralmente as professoras achavam), já que são vários moleques participando juntos. Só que esse, meus amigos, é um dos jogos mais individuais que podem existir. Mais individual que as atividades marotas que você pratica no banheiro. Na RIPA era cada um por si. Você chutava a bolinha, não para acertar alguém, mas para afastar aquela merda e, assim, não ser o próximo alvo.

Um caso a parte era quando meia dúzia de garotos combinavam de chutar a bola em direção a algum moleque detestado pelo grupo, e então esse pivete apanhava como nunca.

Certa vez vi um garoto que recebeu tantas cotoveladas nas costas, que, se o local de salvamento fosse uma ponte que tivesse uma placa dizendo “Jogue-se daqui, quebre as pernas, perfure um pulmão e deixe de ser o alvo”, não duvido que ele se jogaria - duas vezes, se fosse preciso.

Crianças sabem como serem cruéis.

 

CAMBURÃO

Diferente da Ripa, que acredito ser uma brincadeira cultivada em vários cantos do país, CAMBURÃO é um jogo que não sei se era tão conhecido assim — se eu estiver errado, me corrijam.

Essa brincadeira chegava a ser mais filha da puta que a anterior. O nível de violência infantil era menor, pois geralmente menos crianças participavam, mas quando era aplicada, era extremamente, digamos, inesquecível.

Jogava-se assim:
A pivetada se reunia, geralmente o grupo de amigos mais próximos, e combinava de iniciar essa brincadeira. As regras eram que se em algum momento da manhã, ou horário enquanto o indivíduo estivesse no colégio, fosse falado por ele algum palavrão em particular (pense nos seus palavrões preferidos), essa pessoa receberia cascudos e afins até dizer a senha que encerraria as porradas alheias, que era, justamente, Camburão.
Só que essa era uma brincadeira que se jogava em modo de hibernação. Logo nos primeiros dias que era combinado de praticá-la, todos os pivetes sabiam exatamente o que fazer para não se foderem, então ninguém xingava nada. Como a brincadeira continuava no dias seguintes, ad infinitum, você deveria deixar embutido no cérebro que NUNCA deveria usar aqueles palavrões escolhidos. Só que isso não acontecia, pois geralmente alguém se esquecia. A brincadeira rolava por meses, pois a chance de alguém esquecer que se falasse certos palavrões levaria socos desenfreados era maior.

Se você não entendeu, vamos a um exemplo prático:

“Cinco moleques estão sentados no banquinho que fica em frente à turma que tem as meninas mais gostosas da escola e todos são participantes ativos do Camburão. Até que sai da sala a Dani Peitos, uma menina que tinha dotes que se eu realmente precisar explicar quais eram, você está com problemas, meu amigo. Nisso um moleque, esquecido da brincadeira iniciada há tempos, solta um:

Caralho, mano, como eu queria ter uma visão raio-X agora”.

Nessa hora, o senso de foder o vacilão era ligado coletivamente pelo grupo e mal sabia o garoto esquecido que ele precisaria urgentemente era de um pronto-socorro. Não demorava mais que 2 segundos e a molecada se entreolhava dando um START automático na seção de murros no infeliz xingador.
O problema — nesse caso — é que o fulano realmente havia esquecido de que a brincadeira rolava eternamente e, para ele, aqueles murros dados com soco inglês, marteladas nos joelhos e barras de ferro no meio das costelas, eram dados sem razão alguma.
Depois de meia hora apanhando, a ponto de regurgitar pelo nariz o cereal ingerido ainda em casa, o pobre infeliz soltava um:
“Ei, lem-brei… Ca-cam… bu...rãããão!”.

Isto é, se ainda tivesse dentes.

 

CORREDORZINHO

Essa é old school.

Corredorzinho, como o próprio nome quase explica, era uma atividade em que, como sempre, um moleque se fodia enquanto outros 40 se divertiam.
Duas filas eram formadas paralelamente — formando assim um “corredor” — e o moleque infeliz, pré-selecionado, tinha que passar por esse corredor ao mesmo tempo em que recebia socos, chutes e cintadas nas nádegas dos outros garotos.

A escolha pelo garoto que passaria pelo corredor mais temido do que aqueles dos tempos de Carandirú, era mais ou menos assim:

Como o Camburão, a molecada combinava quem ia participar do Corredorzinho. Quem escolhesse participar, tinha que ter em mente que, se por acaso, fosse se sentar numa cadeira, num banco, no chão, no diabo que fosse, na presença dos outros integrantes da brincadeira, teria que pedir licença.
Caso a pessoa esquecesse desse hábito de educação social, seria punida, tendo que passar pelo corredor. Mas essa porra não é tão cruel (é o que você acha).

Havia outra opção, caso você estivesse a esse ponto de se foder fisicamente. Em vez de passar pelo corredor, o indivíduo poderia escolher uma alternativa de punição também combinada previamente pelos participantes: dar 3 beijos (no rosto mesmo) de uma das meninas da escola escolhida pelos outros integrantes da brincadeira. Sendo assim, o moleque ou tinha que passar pela surra de uma linha reta, ou topar os lábios molhadamente nas maçãs do rosto da Priscila Tonelada — ou Joana Três-Barrigas. Quem o pessoal escolhesse, o moleque tinha que beijar para fugir da surra.

Como nessa época todo garoto é absolutamente maluco, a grande maioria, eu digo uns 98%, preferiam passar pelo corredor.

Dependendo do nível de agradabilidade do garoto a ser punido, os garotos postos a darem porrada se multiplicavam. Um moleque odiado pela sala recebia socos ocos nas costas de praticamente toda a sala, mesmo quem não participava da brincadeira entrava no corredor só para poder tirar uma casquinha (ou um dente, se ainda tivesse sobrado algum).

Mas beijar a Priscila Tonelada? Jamais.

 

CUECÃO

Cuecão, Alargador de Ceroula, Chazão, O Máskara, Cuecão Atômico, Calcinhão. Talvez a brincadeira maldita mais famosa e divulgada do mundo. Cuecão é algo que em cada 10 moleques, pelo menos 8, de qualquer escola da vida, já teve o azar de receber.

A vítima desafortunada escolhida tem praticamente o corpo suspenso do chão ao ser levantado apenas pela cueca, agora transformada em fio dental, pelos seus colegas. Some o fato de você ter perdido toda sua capacidade de procriação e ter sua cueca favorita levada quase a cabeça à humilhação de ter passado por isso em frente à menina que tinha uma paixão platônica  — que nunca mais te olhará sem lembrar daquela freada de bicicleta — é uma das perversões juvenis mais humilhantes.

Geralmente eram dados quando a pessoa fazia aniversário; e aí tinha maluco que para evitar o infortúnio se escondia no banheiro, saia antes da última aula terminar, jurava que tinha borrado as calças minutos antes, e alguns até que iam sem cueca para não terem as nádegas expostas ao público.

E podem ter certeza, se ainda não foi contemplado com um, não se preocupe, pois o ditado é plausível:

“O que é seu está guardado”.

 

 

S. Paulo, 22, de uma manhã de sexta-feira ensolarada (até demais) de Abril de 2011.

Não Sei Ser Eu

 

 

Não sei sentir…
Não sei ser humano…
Não sei conviver, de dentro da alma triste,
Com os homens – meus irmãos na Terra.

Não sei ser útil…
Mesmo sentindo ser prático, cotidiano,
Nítido.

Vi todas as coisas e maravilhei-me de tudo,
Mas tudo sobrou ou foi pouco – não sei qual.
E eu sofri.

Eu vivi todas as emoções,
Todos os pensamentos,
Todos os gestos…
E fiquei tão triste
Como se tivesse querido vivê-los
E não conseguisse.

Amei e odiei como toda gente,
Mas para toda gente isto foi normal
E instintivo.
Para mim sempre foi a exceção,
O choque, a válvula, o espasmo…

Não sei se a vida é pouca
Ou demais para mim
(Seja como for a vida – de tão interessante que é).

Todos os momentos a vida chega a doer,
A enjoar, a cortar, a roçar,
A ranger…

A dar vontade de dar pulos,
De ficar no chão…
E sair de todas as casas,
De todas as lógicas,
De todas as sacadas…

E ir ser selvagem…

Entre árvores e esquecimentos.

 

 

 

S. Paulo, 3, noite de uma terça-feira triste de Outubro de 2000.