Duas Cabeças Pensam Pior Do Que Uma

 

 

O homem é este ser confuso e perturbado por falta de
um comando intelectual central

 

     O maior problema do homem é a falta de foco. Pensa com duas cabeças, como você está careca (sic) de saber. Mas diferente do que professa o ditado popular, seu desempenho é bastante comprometido por conta disto. Duas cabeças, neste caso específico, tiram qualquer possibilidade de coerência e equilíbrio. Diferente da mulher, que pensa apenas com a bolsa, por isso é mais resolvida, objetiva e prática. O homem não. Duas cabeças controlam este ser primitivo, ordinário e atavicamente equivocado. Ou seria melhor dizer que descontrolam? É, porque cada uma segue uma direção diferente e toma o comando conforme a situação assim o exija. E saiba que jamais na história da humanidade algum homem chegou perto de conseguiu unir suas duas cabeças para o seu próprio bem. A pobre alma masculina fica sendo um mero joguete nas mãos destas duas entidades notadamente maquiavélicas. Um mero títere, incapaz de manter um comportamento minimamente digno e aceitável.

     Mas não sejamos maniqueístas. O que mais surpreende nesta história, porém, é que o homem pensa com duas cabeças, mas nenhuma delas é confiável. Trapaceiras de primeira ordem, frequentemente deixam seu hospedeiro em maus lençóis. Até porque uma delas só pensa mesmo em deixá-lo em algum tipo de lençol. São como partidos políticos de oposição que nunca fazem qualquer tipo de aliança. Só lhes interessa o poder absoluto. E quando de fato assumem o poder e empreendem alguma lambança deslavada ou praticam algum ato execrável, mais do que depressa passam a bola para o adversário afim de que ele possa levar a culpa e arcar com as consequências. E o mais curioso disso tudo é que toda essa luta sanguinolenta serve para que? Para controlar o corpo de um merdinha qualquer. São cabeças realmente sem nenhum critério.

     Veja agora um exemplo de como as cabeças masculinas prejudicam e denigrem a já combalida imagem do macho contemporâneo. A cabeça principal, aquela onde se encontra o cérebro do homem, chamaremos de cabeça número um. E a cabeça que fica sobre os ombros, chamaremos de cabeça número dois. Imagine, então, um homem ambicioso e bem preparado. Sua situação financeira, entretanto, não enxerga sua ambição nem de binóculo. Mas, por conta de um lance de astúcia e inteligência, está prestes a fechar o maior negócio de sua vida, que vai mudar os rumos de sua existência transformando-o num homem rico, poderoso e de grande prestígio. A cabeça número dois está com tudo. Dando todas as cartas. Cada passo deste homem indestrutível é milimetricamente medido por ela. Já a cabeça número um afoga-se no ostracismo, sem representatividade, desprestigiada, estagnada e encolhida num canto qualquer, até porque anda fazendo um frio dos diabos. Mas, não se iluda. Como a dengue, a cabeça número um é um mal que se desenvolve em águas paradas.

     O homem está prestes a assinar o tal contrato. Entra no prédio confiante e inquebrantável. Tudo parece encaminhar-se para um final feliz para o varão até que ele encontra uma mulher como outra qualquer no elevador. “Como outra qualquer” para a cabeça número dois, porque para a cabeça número um é um verdadeiro monumento erigido em homenagem à testosterona. Bastou o sensível e delicado nariz masculino sentir aquele perfume que deve ter sua fórmula baseada em essências utilizadas em antigos rituais de acasalamento, para que a cabeça número um despertasse de sua longa hibernação. A cabeça número dois, ingênua, bobinha, continua devaneando. Enquanto isso, a cabeça número um já começa a botar suas manguinhas de fora. Começa com as manguinhas. Depois o negócio fica bem mais sério.

     Além do nariz, a cabeça número um, sorrateiramente, começa a controlar também os olhos do sujeito. A partir daí ele não consegue mais desviá-los das insofismáveis cavidades daquele colo espetacular. A cabeça número dois é muito sonsa mesmo. Continua fazendo contas, planejando passos e contabilizando resultados futuros. Para ela, aqueles seios protuberantes não passam de representações dos altos e baixos de um gráfico de faturamento. Mas os ouvidos desse bicho de duas cabeças passam a captar apenas o som da doce respiração produzido pelos motores daquele avião de duas pernas. E que pernas. Duas colunas romanas, esculpidas à perfeição, abrigando o portão de um majestoso e acolhedor castelo encantado. Portão que a cabeça número um fará questão de romper, triunfante.

     A cabeça número dois continua pensando na banda cambial enquanto a cabeça número um só pensa naquela bunda sensacional. Os olhos do ex-competente passam a produzir um brilho diferente. Não são mais cifrões que refletem em sua íris, mas claves de sol, prenunciando melodias orgiásticas. Subitamente a cabeça número dois, em meio à um business plan muito bem concatenado, toma uma rasteira desleal e sofre um golpe de estado. A cabeça número um agora tem controle total do indivíduo. Sendo assim, decide investir pesado no marketing de relacionamento. Ele parte para cima de sua consumidora em potencial. Confiante e de cabeça erguida, logo a convence de ir para um motel onde ele poderá finalmente por em prática todo seu talento estratégico. É claro que, por não aparecer à reunião, o vassalo das cabeças irresponsáveis perde aquele grande negócio e a chance de mudar de vida. Isso não seria nenhum problema se depois de gozar a cabeça número um não fizesse questão de devolver o pepino para a cabeça número dois resolver. O cara olha para o lado e não entende porque trocou milhões de dólares por uma garota tão vulgar, que não passa de nota cinco em qualquer critério de avaliação. Mas bastam uns quinze, vinte minutos para ele começar a entender tudo de novo. E de cinco, a moça passa para sete, sete e meio.

     Existe, porém, um terceiro núcleo de poder na vida do macho moderno: a cabeça número três, esta sim poderosíssima, intangível, atroz, desumana. Tanto que, quando aparece, passa a governar com plenos poderes todos os atos do homem, anulando completamente suas cabeças originais de fábrica. Estas atrofiam e começam a servir apenas de enfeites vagabundos, penduricalhos barulhentos, adereços cafonas, símbolos falidos de um tempo de glórias que já não voltam mais. A cabeça número três geralmente inicia seu reinado com uma grande festa, quando veste véu branco e grinaldas e derrama lágrimas que ainda não se sabe se são de felicidade ou simplesmente de alívio. Além disso, entre outras violências, o homem é tocaiado na saída e alvejado covardemente por uma enxurrada de arroz cru. A partir desta data festiva, portanto, ele se transforma em um mísero corpo célere sem vontade própria. O que, sejamos honestos, faz um bem danado para ele.

 

Eu não sei onde estava com as cabeças quando escrevi este texto.

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