Incógnito

 

Desde criança eu quis ser mais notado, sempre estava inventando coisas para que meus pais pudessem fazer algum comentário (longo o suficiente para inflar o meu ego infanto-juvenil). E, realmente, fui notado no ensino fundamental, por duas vezes, que valeriam, ambas, pelo ano letivo inteiro.

A primeira vez foi na 5ª série, quando me convenceram participar dos Jogos Olímpicos Estudantis (ou algo assim) e me colocaram em três modalidades: salto em distância, 100 m rasos e 100 m com barreiras.

O mais incrível foi que não houve nenhum tipo de treinamento nem nada, apenas me deram um “bilhetinho” com a data, local e horário do evento (lê-se humilhação pública) para o meu “responsável” assinar – se fosse realmente responsável não deixaria que o filho participasse de um massacre dessa magnitude.

Fui razoavelmente mal no salto em distância, incrivelmente ruim nos 100 m rasos, mas a peripécia maior aconteceu nos 100 m com barreiras, onde, com uma habilidade descomunal, derrubei todas as barreiras que encontrei pelo caminho e não foi só isso, era um tombo cinematográfico em cada barreira que eu derrubava. Nunca, na história daqueles jogos, alguém tinha sido tão ruim.

A segunda vez foi na 7ª série quando eu tive a ideia idiota de participar de um capeonato de basquete da escola. E para piorar convidei (intimei) um amigo para ser o meu parceiro na modalidade “duplas” – e na modalidade “humilhação pública”. Fomos eliminados de forma absurdamente humilhante logo no primeiro jogo. Só me lembro que o placar foi um montão para eles e 2 pontos para a gente – consquistados com arremessos livres de faltas cometidas.

O tempo passou e eu decidi me dedicar mais aos estudos. Já que eu não levava jeito para os esportes, queria ser nerd, mas eu era mais rebelde que nerd, embora minha notas fossem dignas o suficiente para eu ganhar uma par de óculos quadrados, um protetor de bolso, algumas canetas, lapiseiras e uma calculadora científica.

(Tudo bem, eu confesso! Eu sou louco por canetas e tenho uma lapiseira Staedtler de estimação).

Eu tinha uma técnica infalível para tirar boas notas: eu só estudava um dia antes da prova e não mais que 1 hora. Aos invés de me acabar de estudar e deixar a diversão para depois eu me sentava na primeira fileira e prestava atenção a tudo o que os professores diziam, a todos os gestos e, até mesmo, no jeito de escrever e na letra de cada um deles. Mudei minha letra inúmeras vezes na época de colégio, sempre me espelhando no professor com a letra mais bonita – sou eternamente grato pela educação de qualidade que todos eles me proporcionaram.

Hoje eu tenho uma letra razoavelmente bonita e com estilo próprio.

E foi assim que me destaquei no colégio…

Mas minha vontade de ser notado se transformou no meu pesadelo pessoal quando dei início à minha epopéia, minha cruzada em busca do meu Santo Graal: o amor.

Hoje, após ter sentido todas as dores de um coração partido várias vezes e de diversas formas diferentes por conta de tentativas frustradas, acreditando, sempre, que um dia minha sorte mudaria e, finalmente, encontraria a mulher que abalaria minhas estruturas e se transformaria, naturalmente, no grande amor da minha vida… Enfim…

Aos trinta e poucos anos, nada mudou significativamente em minha vida e continuo, de certa forma, em busca de amor, mas, não quero mais ser notado… Só quero ser… Incógnito.

Encerro minha crônica com um trecho de Machbeth, de Shakespeare:

”A vida é um conto contado por um idiota, cheio de som e fúria, significando nada.”

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