Ia morrer pela segunda vez e o fato aterrorizava-o mais do
que da primeira. Na primeira tinha tido uma morte suave, boa e calma, quase que
a saboreara com gosto. Despedira-se de todos e partira sem qualquer remorso de
cá ter estado. Desta vez era diferente. Tudo lhe parecia novo e difícil de
encarar. Não que não tivesse gostado de ter morrido, mas certa nostalgia já o
estava invadindo. Tinha morrido num dia bonito, de sol alegre e calor abundante.
Ainda se lembrava de como suava naquele horrível colarinho apertado.
Quando chegou lá tentou encarar as coisas com naturalidade… Encontrou
amigos, conhecidos, pessoas que não via há muito tempo e pessoas que
francamente esperava nunca mais ver. Os primeiros dias foram entediantes –
aborrecidos -, sem nada para fazer, sem conseguir conversar com ninguém, sem
fome, sem sede, sem calor... sem nada. Era como se estivesse vivo, mas um vivo
muito doente, quase um vivo morto, e se pegou pensando que era melhor continuar
vivo do que permanecer morto daquela forma.
Agora que ia morrer novamente estava assustado. Não sabia
como seria novamente recebido, se o mesmo tédio o assolaria, se encarariam bem
o seu regresso, se não o considerariam um traidor às leis da vida. Não sabia
bem quando seria a partida, mas iria preparar bem as coisas. Passaria pelo
cemitério e iria arejar o local onde supostamente deveria estar. Tiraria aquela
jarra azul que não lhe dizia nada. Arrumaria devidamente as rosas vermelhas que
o vento costumava espalhar, daria uma limpeza geral. Endireitaria as
fotografias, iria retirar algumas que o favoreciam menos. Tantas recordações de
quando era vivo...! E agora ali prestes a estar morto de novo. Inconformado
resolveu caminhar um pouco, sentia-se sonolento. O ar fresco do entardecer o fez bem, irrigou-lhe o cérebro de saudades e
lembranças, os músculos atrofiados distenderam-se. Sorriu, sentou-se e esperou
por eles, sabia que viriam em breve.
De repente ouviu-os aproximarem-se.
Soube então que estava morto que continuava morto e bem morto e despediu-se de
si próprio enquanto se elevava nos ares.
Nunca mais se veriam…
S. Paulo, 11, uma quarta-feira de Julho de 2012.
Um comentário:
SOLIDÃO : silêncio que grita ! (E.A.)
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